O pacote econômico do governo apresentado ao Senado pelo ministro Guedes e pelo próprio Bolsonaro, nessa terça, dia 05 (foto: site do Senado) é o passo definitivo rumo ao estado mínimo – é o que o professor Guilherme Santos Melo, da Unicamp, classificou como um verdadeiro “AI-5 econômico”. O pacote tem como objetivo acabar com as obrigações de governo com saúde e educação, além de condenar à morte o pacto federativo estabelecido pela Constituição de 1988. O corte no salário de servidores, a não estabilidade dos futuros funcionários públicos e até o fim dos pequenos municípios estão entre as medidas do plano apresentado ao Senado, sem discussão com a sociedade, prefeitos e governadores. Chega ao Congresso como tudo que esse governo “propõe”: de cima para baixo, enfiado goela abaixo e com o apoio tácito da mídia, como de resto ocorreu com a reforma da previdência.
Leia o artigo do professor Guilherme Santos Melo* (retirado da conta do facebook dele):
PLANO GUEDES: O AI-5 ECONÔMICO
O plano de Bolsonaro e Guedes anunciado ontem como “Plano mais Brasil” reúne um conjunto de medidas que na prática suspendem os direitos sociais e o arranjo federativo previstos na Constituição Federal de 1988. Da mesma forma que o AI-5 suspendeu os direitos políticos e interferiu diretamente no “pacto federativo”, o plano Guedes suspende os direitos sociais e aniquila milhares de municípios.
Em primeiro lugar, ele foi criado para ativar os “gatilhos” previstos na EC 95, que de tão mal redigida, simplesmente tem gatilhos fajutos, já que a formulação do orçamento tem que seguir a imposição do teto de gastos. Esses “gatilhos”, agora acionados no caso de não cumprimento da “regra de ouro” (que não vem sendo cumprida há tempos), visam promover um enorme arrocho dos gastos públicos, com foco particular no funcionalismo. O mais curioso é que não há diferenciação: o juiz que ganha 40 mil e o professor que ganha 2 mil serão alvo do mesmo arrocho, abrindo-se a possibilidade de redução salarial de até 25%.
Em segundo lugar, o plano “Mais Brasil” acaba de uma vez por todas com a possibilidade de planejamento de longo prazo no Brasil. Ela simplesmente extingue o PPA (Plano Plurianual) e acaba com vinculações, obrigação de gastos e fundos voltados para educação e saúde. Na prática, a EC 95 já havia reduzido, no longo prazo, o financiamento desses serviços públicos. O que o plano Guedes busca é destruir de maneira ainda mais acelerada os serviços públicos universais de educação e saúde, redirecionando estes recursos para o pagamento de juros da dívida pública.
Por fim, depois de proibir gastos, desvincular receitas, raspar o que sobrou dos fundos públicos e desvalorizar o servidor público, Guedes propõe destruir qualquer vínculo de solidariedade entre os entes federados, promovendo uma espécie de “cada um por si” federativo, onde só sobreviverão os estados e municípios ricos. Ele chega ao descalabro de simples “extinguir” milhares de municípios, que se tornarão distritos de municípios maiores e pobres a quilômetros de distância e que já tem seus próprios problemas para resolver.
Nem os pequenos empresários vão escapar, já que o plano prevê uma forte redução das desonerações, que certamente devem atingir o SIMPLES, a folha de salário e até a cesta básica.
Em suma, o plano é a revogação da CF88 no capítulo dos direitos sociais e do pacto federativo. É um descalabro que só poderia surgir de uma mente autoritária, que não sabe o que é o Brasil e quer implementar uma ideologia atrasada que ele aprendeu na década de 60/70. Guedes e Eduardo Bolsonaro tem exatamente isso em comum: Sentem saudades do AI-5, cada um a sua forma. O mais assustador é ter gente que acha que AI-5 nos direitos políticos não pode, mas na economia “é o preço a se pagar pela estabilidade”. Já ouviram esse discurso antes?
*Guilherme Santos Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON-UNICAMP)